Rádio Chapada



quinta-feira, 7 de maio de 2009

Entrevista de Ciro Gomes ao Vermelho


 

Você, sem razão, foi citado entre os parlamentares que utilizaram passagens aéreas do mandato para viagens de parentes – no caso, sua mãe. A seu ver, foi apenas erro ou foi má-fé? 
A imprensa misturou alhos com bugalhos, acusou pessoas que não estão envolvidas, como foi o meu caso – e isso é só lateral. Minha mãe tem 80 anos e nunca viajou com um centavo de ninguém, nem sequer tinha visto para fazer as viagens das quais ela foi acusada.

 

Toda a violência intimidatória veio para cima de mim, embora eu já esteja acostumado. Da minha parte, eu me garanto. Tenho 30 anos de vida pública decente e não fui lá (no plenário) falar sobre isso. Minha pergunta é: a quem interessa esse tipo de generalização nas denúncias? Que serviço se presta à opinião pública com essas generalizações?

 

A grande imprensa errou a mão?
Evidentemente, em um país de gente sofrida como o povo brasileiro, qualquer privilégio é intolerável, e há que se consertar, que se corrigir, que se denunciar. Entretanto, o que se fez em relação a esse assunto foi uma absurda generalização. Talvez os jornalistas não percebam – o que eu duvido. A esta altura, já vejo uma inflexão, pelo menos no jornal Folha de S.Paulo.

 

Peguemos um exemplo prático, que é muito pequeno – o que não quer dizer que eu perdoe qualquer desvio. Acho o (senador Pedro) Simon (PMDB-RS) um homem público decente, mas ele viajou com a esposa. Eu acho o (deputado federal Fernando) Gabeira (PV-RJ) um homem decente, mas viajou com a esposa ou com a amiga. Não acho que ter viajado com parentes para o estrangeiro seja o melhor critério de avaliação de quem é e quem não é decente na vida pública.

 

Porém, mesmo aceitando que o critério seja este, o fato é que metade da Câmara Federal – metade! – não viajou nenhuma vez com parente para o estrangeiro. Se a manchete dos jornais fosse “Metade da Câmara cometeu abusos”, já seria uma grande colaboração para preservar os valores democráticos. A população, na hora em que soubesse que metade viajou, imediatamente ressalvaria a instituição, a Câmara, preservaria a política como linguagem fundamental da democracia.

 

Será mesmo que essa única mudança faria tanta diferença para as pessoas?
Eu não sou contra que a imprensa denuncie com todo o azedume possível os malfeitos, os erros, os defeitos. Repito: se você disser “foi a metade”, a instituição está ressalvada. No meio do povo, o que aconteceria? Uma sadia discussão nos bares, nos ônibus, nas filas, para saber se o deputado em que eu votei está envolvido, se o seu está ou não. A imprensa pode ajudar o povo a separar o joio do trigo. A democracia é uma obra de homens e mulheres falíveis, mas também capazes de serem nobres.

 

Você não acha que...
Olha, me desculpe, eu preciso dizer mais uma coisa, e talvez vocês sejam os únicos que publiquem essa reflexão. Mas é preciso que você olhe – eu fui olhar – a lista da metade que viajou para o estrangeiro.

 

Vermelho também olhou.
Numa ponta, em dois anos e meio, fulano de tal viajou uma única vez para Bangladesh e levou a esposa – foi a uma reunião para debater a fome no mundo. Na outra ponta, tem um deputado que viajou 40 vezes para Miami com a família toda, gato, sapato, galinha, cachorro, etc. e tal.

 

Não vou cair na bobagem, num moralismo pequeno-burguês falso, de dizer que quem rouba R$ 1 rouba R$ 1 milhão. Claro que não é verdade. Tenho a experiência de professor de Direito. Quem rouba R$ 1 às vezes tem nisso a única alternativa para comer. Quem rouba R$ 1 milhão quer ficar rico, e isso é completamente diferente.

 

Mas vamos supor de novo, arbitrariamente, que você eleja um novo critério – não é decente quem fez de cinco viagens para cima neste período. Aí você reduz para uma minoria, e essa minoria é a responsável pela distorção. Ela é que deve pagar caro, mas passa batida, passa protegida.

 

E por quê? Porque se generalizou para Simom, para Gabeira ou eu, que fui citado falsamente. Nós três estamos igualados àquele que achou ótima essa generalização, vai passar impune e, provavelmente, vai repetir suas malversações em outros cantos. A generalização não cuidou de fazer essa pedagogia.

 

Folha cometeu um erro grave e ofensivo à ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Na edição de 5 de abril, o jornal divulgou uma ficha criminal falsa, supostamente dos tempos em que Dilma atuava na luta armada. Retomo a primeira pergunta: foi só descuido ou foi irresponsabilidade mesmo? 
Descuido há, e a Folha é um jornal muito leviano, como quase todos. Não podemos esperar que um jornal seja exato. Mas, em qualquer caso de inexatidão ou erro, o jornal pode tirar um exemplar amanhã e, se tiver boa-fé, permitirá a correção. Um eventual prejuízo, ainda que grave, pode ser atenuado.

 

Claro que devia haver uma responsabilidade maior. Se você quiser difamar uma pessoa, a responsabilidade é muito grave. Na vida pública, é mortal – equivale a uma sentença de morte. Se a população acreditar em certas leviandades, você destrói uma biografia pura e simplesmente com uma mentira. É disso que se trata nesta vida moderna e substantivamente midiática. Porém, na minha opinião, corrigir o erro cometido ontem está de bom tamanho – já que ainda não temos aquela democracia tão madura como a que eu ajudo a construir.

 

A maior parte dos jornais não faz assim. Quando a Folha publicou que a minha mãe tinha feito uma viagem que não fez, eu mandei uma carta ao jornal, e eles publicaram na seção de cartas dos leitores (“Painel do Leitor”). Ok, há um certo desequilíbrio – o escândalo é na primeira página e o esclarecimento fica na seção de cartas. O erro da Dilma eles corrigiram também, eu li. Houve um erro, houve a pressa, um certo descuido. Porém, corrigiram.

 

Mas vou dar um outro exemplo prático de agora. O jornal O Globo fez um grande escândalo com o nome da minha mãe, que tem 80 anos e não viajou com as passagens aéreas. Eu mandei uma carta ao Globo, e eles não publicaram. Veja bem: não publicaram uma linha. Isso é grave.


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