Professor, Filosofo,
pesquisador marxista, comunista e bom de papo, Manuel Bezerra Neto compreende
que a educação deve servir para transformação da sociedade. Preparando o seu
segundo livro, Bezerrinha como é carinhosamente conhecido apontar as
contradições da educação numa sociedade antagônica como a capitalista.
Alexandre Lucas - Quem é Manuel Bezerra Neto?
Manuel Bezerra Neto – Até recentemente fui professor assistente do Departamento de
Educação da Universidade Regional do
Cariri – URCA. Milito na Educação desde a década de 1970. Iniciei nas minhas
atividades na Educação Básica do Estado na área de Ciências Exatas (matemática
e física). A partir de 2000 ingressei no Ensino Superior da URCA, na área de
Ciências Sociais (Filosofia e Sociologia). Durante esse período estive sempre
engajado na luta política como dirigente municipal e estadual no Partido
Comunista do Brasil - PCdoB.
Alexandre Lucas – Qual a importância das tendências
pedagógicas no âmbito das políticas para a educação?
Manuel Bezerra Neto – É preciso lembrar que as políticas
educacionais são estabelecidas sempre em função dos interesses do Estado, bem
como dos objetivos mais permanentes da classe dominante. Em decorrência disso é
que são levadas em conta aquelas tendências pedagógicas que mais são convenientes
e mais se adéquam tanto aos objetivos do Estado, quanto aos interesses que
estão postos em determinadas
circunstancias, do ponto de vista, é claro, das classes dominantes. Assim, não
vamos alimentar ilusões a respeito da educação escolar, uma vez que seu
primeiro papel, sob o estado capitalista é explicitamente funcional, ainda que
devemos reconhecer, não obstante, que ela se constitui por natureza, uma
atividade contraditória.
Alexandre Lucas - Como você avalia as políticas
públicas para Educação no Ceará?
Manuel Bezerra Neto – É muito simples perceber-se que
elas ainda continuam orientadas pelas diretrizes de caráter neoliberal.
Educação ainda é encarada como despesas para o Estado. Assim, despesa pressupõe
retorno compensador, do ponto de vista financeiro, e não um direito universal
do individuo. Isso significa conceder a educação enquanto fator de
desenvolvimento socioeconômico, segundo a Teoria do Capital Humano porquanto
para as classes dominantes investir em educação é estabelecer os meios que
devem favorecer apenas o desenvolvimento dos meios de produção capitalistas
necessários ao processo de acumulação do capital.
Alexandre Lucas – Qual a contribuição do Marxismo para
a compreensão e proposição das tendências pedagógicas de caráter progressista?
Manuel Bezerra Neto – Ainda que Marx não tenha proposto
explicita e sistematicamente uma linha pedagógica escolar, no entanto, o
programa de Gotha define uma concepção de pedagogia que vai além dos conceitos
burgueses de progresso humano, uma vez que ele chama a atenção para a
importância e o sentido que uma formação humana fundada na associação
indispensável entre educação e trabalho, escola pública gratuita (não
necessariamente estatal, mas laica). Ele sempre acreditou que a natureza do
homem se forma e se desenvolve tendo como principio a atividade produtiva; isto
é, o trabalho como principio pedagógico por excelência. É simples perceber-se
isto quando sabemos que as classes burguesas nunca encararam o trabalho como
atividade dignificante para o individuo que não precisa trabalhar uma vez que
ele vive da exploração da força de trabalho daqueles que não tem a propriedade
dos meios de produção. Em síntese, elas nunca imaginaram nem desejaram ver seus
filhos frequentando a oficina onde o filho do trabalhador está aprendendo um
oficio ou aperfeiçoando suas técnicas de produção de mais-valia.
Alexandre Lucas – Em seu livro “Escola – Pedagogia
da Reprodução” você aborda o caráter ideológico da escola capitalista e propõe alternativa?
Manuel Bezerra Neto – Quando dei aquele título ao
trabalho não estava, de modo algum, concordando inteiramente com a concepção
reprodutivista da escola porque, enquanto, os “reprodutivistas” faziam a crítica exclusiva da pedagogia burguesa
como aparelho ideológico por excelência do Estado capitalista, eu procuro
mostrar que ao lado da critica é preciso propor uma opção – não dualista,
obviamente – pedagógica que possa contemplar sem discriminação os interesses,
os valores e as concepções de todos na sociedade, principalmente das classes
submetidas ao regime de exploração do capital. Ao mesmo tempo compreendi que
era necessário também, junto com a tarefa de propor uma escola universalizada
cuidar dos problemas concretos e imediatos da sociedade brasileira do ponto de
vista do seu desenvolvimento autônomo, tendo em mira a redução drástica das
profundas desigualdades sociais engendradas pelo capitalismo brasileiro, e para
os quais só uma concepção pedagógica revolucionária poderia apresentar soluções
viáveis para sua superação.
Alexandre Lucas – Você prepara o segundo livro
“Educação e Consciência de Classe", Qual a abordagem desse trabalho?
Manuel Bezerra Neto – A questão da consciência de classe
não é muito simples de ser abordada. Muitas vezes, corremos o risco de ou vê-la
idealisticamente, tendo-se a ilusão de que é algo inevitável para o sujeito, em
vista de sua pertinência de classe; que dizer, inevitavelmente, o burguês teria
que pensar, enquanto burguês, operário como operário, etc. é uma visão um pouco
simplista e reducionista pela qual seria suficiente apenas olhamos a posição de
classe, para então apreendemos a consciência dos indivíduos que a integram.
A consciência não pode ser também uma função psicológica que
nos ajuda a fazer avaliações “corretas”
ou de censura das situações vivenciais nem dos indivíduos nem da própria
história uma vez que inevitavelmente
ela, de qualquer modo, não deixa de estar vinculada se não as forças
motrizes que põem em movimento povos e classes inteiras, que acaba induzindo
uma ação durável capaz de promover grandes transformações históricas.
No campo da educação ainda que a consciência se forme na
relação direta com a realidade, mesmo que mediatizada pelo conhecimento não
podemos subestimar o papel ideológico desse conhecimento na organização e
projeção das condições materiais de existência. Assim, a proposta implícita é,
sobretudo demonstrar a relação entre o papel ideológico da educação e o
desenvolvimento da consciência do individuo.
Alexandre Lucas – Qual a relação entre educação e
prática social?
Manuel Bezerra Neto – A relação é explicita, pois a
própria educação constitui-se de uma prática social inerente e indispensável ao
conjunto das múltiplas práticas convenientes e adequadas para a configuração de
uma dada realidade social. Não podemos imaginar prática educativa dissociada da
prática social.